Imagem: ICMBio |
A informação é do analista ambiental Ronaldo Morato, chefe do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap), do ICMBio, que vem acompanhado o comportamento das irmãs Isa e Fera, junto com os demais membros do projeto, por meio de colares eletrônicos via satélites, colocados nos animais. “Pelos sinais emitidos pelos equipamentos dá para saber por onde os animais circulam. E já constatamos que, passados meses da soltura, as onças já se estabeleceram no território onde foram soltas, o que indica que já devem estar ambientadas”, disse Morato.
Perderam a mãe em 2014
As irmãs Isa e Fera, fêmeas de pouco mais de dois anos de idade, perderam a mãe em 2014, em Corumbá (MS), e desde então, até voltarem aos alagados e matas pantaneiros, foram criadas sob a supervisão de pesquisadores do ICMBio e do Onçafari e com suporte financeiro de empresários ligados ao projeto. Ao contrário do que normalmente ocorre quando animais da espécie são resgatados nestas circunstâncias natureza, as duas onças não foram criadas em cativeiros comuns, de onde costumam ser levadas a jaulas de zoológicos mundo afora.
Sem a mãe, a quem cabe ensinar os filhotes a caçar, Isa e Fera foram encaminhadas a um centro de reabilitação animal em Amparo, no interior de São Paulo, onde passaram cerca de cinco meses, até serem alocadas no Refúgio Ecológico Caiman, uma fazenda com área equivalente a 53.000 campos de futebol voltada ao ecoturismo e à preservação ambiental na cidade de Miranda (MS). Há na região cerca de 70 onças-pintadas, todas acompanhadas em algum momento da vida pelo Onçafari, que viu nascer cerca de 25 filhotes.
"Treinadas" em recinto natural
Em uma área de 10.000 m² construída na propriedade, delimitada por cercas elétricas e telas de mais de quatro metros de altura e que reproduz o Pantanal com matas, lagoas e a vegetação rasteira, as onças foram “treinadas” durante um ano para a volta à vida selvagem. A construção do recinto custou cerca de R$ 2 milhões, bancados por patrocinadores do Onçafari e de empresários que “adotaram” Isa e Fera.
Sem nenhuma mordomia, as irmãs tinham de usar seus instintos para caçar animais como capivaras, queixadas, coelhos e jacarés, capturados pelo ICMBio na natureza e colocados dentro do recinto onde estavam os felinos. “Para a onça poder começar a caçar, e a gente fazer o papel de mãe, não adianta dar um filé para ela comer. Elas tinham que caçar animais que fossem encontrar quando fossem soltas. Sem isso, esses bichos nunca estariam preparados para viver sozinhos”, diz o pesquisador Rogério Cunha, também do Cenap, ao lembrar que, embora tenha havido críticas à captura de animais silvestres para o “abate” pelas onças, a prática foi aprovada por comitês de ética.
Monitoramento por meio de câmeras
Para não repetirem a principal falha de um projeto de reintrodução anterior, em Goiás, em que as onças foram soltas e depois tiveram de ser recapturadas para evitar ataques, os pesquisadores monitoraram o comportamento de Isa e Fera por meio de câmeras e as isolaram de qualquer contato direto com humanos. “O principal era elas não associarem os biólogos, o ser humano, a comida. Esse é o grande erro. Cortamos completamente a relação, nos locais onde se colocavam as presas, havia placas. Elas não viam gente durante o processo”, afirma Rogério Cunha.
A partir do monitoramento das onças no habitat natural por meio de coleiras eletrônicas, o pesquisador cita três pontos que atestam o sucesso da experiência: Isa e Fera são arredias a carros e pessoas em estradas, ambas conseguem caçar e se alimentar de outros animais e estabeleceram território sem disputas com outras onças – as irmãs estão tão enturmadas que uma delas já até cruzou com um macho da região.
“Se acontecer alguma coisa com elas hoje em dia, vai ser alguma coisa que aconteceria com qualquer onça selvagem”, diz, a respeito da adaptação de Isa e Fera à nova vida, o ex-piloto de Fórmula Indy Mário Haberfeld, criador e coordenador do Projeto Onçafari.
Para Haberfeld, o sucesso na reambientação das onças na natureza pode ser usado para evitar a extinção destes animais em biomas brasileiros onde eles vivem e estão ameaçados. “Talvez não seja o caso crítico no Pantanal e na Amazônia, onde há relativamente muitas onças, mas em biomas como a Caatinga e a Mata Atlântica, onde as onças estão ameaçadas de extinção, isso (reintrodução) pode ser uma forma de aumentar a população de novo. Provou-se que é possível salvar onças em outros biomas do Brasil e até em outros países onde elas ocorrem”, conclui o coordenador do Onçafari.
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